Eis que surge este medo ensimesmado

Quando olho a sombra do magro sobrado

E nela vejo o vulto , na calçada.

Poderia ser a minha antiga noiva amada?

Que voltava do além, para um beijo ao consorte?

Ou o sorriso dela seria  o esgar da morte

Nos enleios da alta madrugada?

A lua refletindo seu pálido rosto assombrado

Me fez sentir de súbito, enamorado

E arrisquei segui-la, um tanto afoito

Pela rua da Aurora afora, até o numero 18

Onde ela entrou, a minha suposta musa

Se perdendo, na pálida luz difusa

Da lua diáfana, esta enganadora.

Subi os degraus, de par em par

Para no alto da escada encontrar

A minha criatura sedutora.

Não era ela, porém; um negro abismo

A  sombra dentro da sombra, um aforismo

Um resto, um véu diáfano ou um miasma

Senti os pelos da nuca eriçando

Enquanto o espectro da mão ia passando

Deixando em mim um desejo fantasma.

Corri de lá ,do casarão  da Rua da Aurora

Imponente peça de riqueza, outrora

Mas que hoje mostrava sua decadência.

O medo com o seu manto me revestia

Na hora em que daquele vulto eu fugia

Rezando e pedindo a Deus sua clemência.

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Uma noite a mais, e sempre uma noite qualquer, aqui no bairro de Dois Unidos. É sempre mais do mesmo: vejo prostitutas coçando suas partes íntimas, com o alarde de uma noite de prazer barateado.

Em suplicas, sempre reverbero um não, a mais singela e respeitosa mesquinharia de minha parte. O valor assim da noite da jovem fora uma passagem metrô. O preço era irrisório, apenas não era sexo que me trazia a esses lados.

A moça me chama então  de mesquinho, eu viro as costas como se nada disso tivesse acontecido. Ela era de fato muito bonita de rosto, ainda. Não queria então  prostitutas. Enfim, peguei muitas prostitutas baratas na Av. Hidelbrando nos idos de 1980...

As vezes me magôo quando desprezam meu austero modo de vida. Estou bêbado, mas taciturno.
Passo por uma viela mal cheirosa de urinas antigas, e vejo a realidade deste povo de Dois Unidos.

Quem quer falar de politica e diz que entende as dores sociais, não sabe o que é miséria real.
Saio da Rua Maria Estevam e vejo igrejas, de quase todas as congregações.

Se fossem ainda 19: 00 horas, eu poderia descansar em uma missa, ou culto. Alcoolizado como sempre, ando a esmo, sem direção.
Às vezes, vultos da noite aparecem sob alguma árvore. Sei que são garotos doentes, fumando crack, fumaça inalada para dentro de seus pulmões.

A cada tragada, vejo brasas fugidias, sombras de rostos no escuro. Murmúrios são acionados a cada passo esmagados em folhas. Pobres coitados, alegres em suas vidas de elfos, se preocupando pela próxima tragada.

A lua está cheia, abrasada entre as nuvens. Mas seria possível?  Tão perto... Se a ciência diz que a lua está distante da terra, como parece ser tão grande?  Eu me questiono, e me respondo, pois enfim  a filosofia de outros homens sempre alega a certeza de parâmetros diferenciados dos meus, gótico e dividido entre dois hemisférios, o do real e do mental.

O engraçado do vagabundo, aquele que certamente vaga sem rumo, é que ele nunca tem marasmo em uma caminhada solitária, quando sua imaginação flui solta.

Ouço assim  folhas de arvores baterem umas nas outras, e a razão de tal euforia deve ser por algum bicho,ou vento. Mas não está ventando. Sim. Então evanto meus braços , ao entrar na Reserva Ecológica,e não sinto vento.

Estou cansado. Não dou fé a crendices; o medo, para mim é um preâmbulo de sobrevivência. A ponte pela qual passo é de madeira... me sento, escutando o barulho gótico dos sapos e rãs. De imediato, então uma dor no coração... Minutos depois, um frio assola meus braços , enfim um arrepio. O soar dos anfíbios se torna então  como o choro de um bebê.

Me parece finalmente, constatar um fenômeno. Algo certamente  desce as escadarias de um coreto que fica depois desta ponte, à frente...
Tantos anos de estudos,  de fato noites de sábados perdidas, dinheiro gastos em vagabundas, pelos anos a fio. Desde 1986, e estamos em 2017: vinte e dois de janeiro de 2017.

É  então uma loira estonteante que desce as escadas. Quase inconscientemente, fico excitado só em pensar em transar com uma morta viva. Mas isto é crendice hollywoodiana, não existem zumbis !

Só existe, de fato, o amor. A dor do coração, enfim o arrepio do braço.  Não cometo  então o mesmo erro do primeiro homem que a assediou. Não se preocupe meu bem.  não vou te  escantear, sei assim de sua história e de sua dor..

Beijo suas mãos frias, de fato ela é linda. Se mostra assim linda a mim.Talvez por eu tê-la encontrado,  e não ser um cafajeste. Ela me crê  então digno. E é   por isso que não sinto de fato ossos de uma caveira por sob a saia. Seria o medo uma auto-defesa da sedutora da curva  também mostrado a repulsa à todos os  homens inescrupulosos?
Minhas duvidas são respondidas no silêncio então  de um riso no canto de sua boca.

Eu a admiro enfim  em sua aparência virginal. Bem saímos em direção do escuro, de mão dadas, e  deixo algo para trás... deve ser o meu lado biológico,  também cientifico e racional.
Ela está feliz ao meu lado.

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